14/10/2025

Cirurgia Oral em Pacientes com Distúrbios Hemorrágicos: Condutas Pré, Trans e PósOperatórias

Agosto 31, 2025
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Resumo Procedimentos de cirurgia oral em pacientes com distúrbios hemorrágicos representam um desafio clínico significativo. O conhecimento detalhado sobre as condições sistêmicas do paciente, os exames laboratoriais adequados e as estratégias hemostáticas individualizadas são essenciais para garantir segurança e sucesso terapêutico. Este artigo aborda as principais condutas nas fases pré, trans e pós-operatória em pacientes com coagulopatias congênitas (como hemofilia e doença de von Willebrand) e adquiridas (como uso de anticoagulantes orais), visando fornecer um guia prático baseado em evidências.

1. Introdução

Distúrbios hemorrágicos, tanto congênitos quanto adquiridos, aumentam substancialmente o risco de complicações em procedimentos odontológicos invasivos. O cirurgião-dentista, especialmente aquele que atua em cirurgia oral, precisa estar capacitado para manejar essas condições, que exigem planejamento individualizado e abordagem interdisciplinar.

Estima-se que aproximadamente 1 em cada 10.000 indivíduos possua hemofilia A ou B, e que o uso de anticoagulantes orais vem crescendo com o envelhecimento populacional e a prevalência de doenças cardiovasculares (Franchini & Mannucci, 2012).

 

2. Classificação dos Distúrbios Hemorrágicos

2.1 Coagulopatias Congênitas

  1.  Hemofilia A e B: causadas por deficiência dos fatores VIII e IX, respectivamente.
  2. Doença de von Willebrand (DvW): defeito quantitativo ou qualitativo do fator de vonWillebrand.

 

2.2 Coagulopatias Adquiridas

  1. Uso de anticoagulantes orais: como varfarina, rivaroxabana, apixabana e dabigatrana.
  2. Doenças hepáticas: comprometem a síntese de fatores de coagulação.
  3. Trombocitopenias ou disfunções plaquetárias: podem ser idiopáticas, induzidas por fármacos ou associadas a doenças autoimunes.

 

3. Condutas Pré-Operatórias

3.1 Avaliação Clínica e Sistêmica

A anamnese detalhada deve incluir:

  1. História de sangramentos prolongados após extrações, cortes ou cirurgias.
  2. Uso de medicamentos anticoagulantes/antiagregantes.
  3. Doenças hepáticas, renais ou hematológicas conhecidas.

3.2 Exames Laboratoriais Indicados

  1. Tempo de Protrombina (TP) e INR (Razão Normalizada Internacional): avaliam a via extrínseca da coagulação.
  2. Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPa): via intrínseca.
  3. Contagem de plaquetas
  4. Fibrinogênio
  5. Dosagem específica de fatores de coagulação (em casos de hemofilia ou DvW)

Um INR entre 1,0 e 3,5 costuma ser considerado seguro para procedimentos odontológicos de menor porte, segundo a American Dental Association (ADA, 2019).

3.3 Planejamento Terapêutico com o Médico Assistente

Nos casos de hemofilia moderada a grave, é fundamental a reposição do fator deficiente antes do procedimento, preferencialmente em ambiente hospitalar (Soucie et al., 2013).

Pacientes em uso de anticoagulantes devem ter sua condição avaliada em conjunto com o médico cardiologista ou hematologista. Em muitos casos, não é necessário suspender a medicação, mas sim ajustar o plano cirúrgico e reforçar a hemostasia local (Bajkin et al., 2015).

 

4. Condutas Transoperatórias

4.1 Técnica Cirúrgica Atraumática

  1.  Minimizar o tempo cirúrgico e o trauma tecidual.
  2.  Evitar retalhos extensos e múltiplas áreas de incisão.
  3. Utilizar instrumentais delicados e sutura adequada.

4.2 Estratégias de Hemostasia Local

  1. Compressão mecânica com gaze embebida em antifibrinolíticos (ácido tranexâmico ou ácido aminocaproico).
  2. Uso de agentes hemostáticos tópicos: esponjas de gelatina, colágeno reabsorvível,
  3. celulose oxidada regenerada.
  4. Selantes de fibrina ou adesivos biológicos.

 

4.3 Sedação e Controle da Pressão Arterial

Reduzir a ansiedade e controlar a pressão arterial são medidas essenciais para evitar elevações que possam favorecer sangramentos.

 

5. Condutas Pós-Operatórias

5.1 Medicação Pós-Cirúrgica

  1. Evitar anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) em pacientes com distúrbios
  2. hemorrágicos, pois interferem na função plaquetária. Prefira paracetamol ou dipirona.
  3. Em casos selecionados, antibióticos profiláticos podem ser indicados para prevenir infecções, especialmente se houver sangramento persistente.

 

5.2 Controle Hemostático Prolongado

  1. Manter compressão local por pelo menos 30 a 60 minutos após a cirurgia.
  2. Evitar bochechos vigorosos nas primeiras 24–48 horas.
  3. Recomendar dieta fria e pastosa nas primeiras 24 horas.
  4. Em alguns casos, fazer bochechos com ácido tranexâmico prescrito (5% por 2 minutos, 4x/dia por 5–7 dias).

 

5.3 Acompanhamento e Reavaliação

O paciente deve ser reavaliado em 24 a 48 horas, com orientações claras para retorno

imediato caso haja sangramento recorrente, edema intenso ou dor desproporcional.

6. Considerações Éticas e Legais

A documentação detalhada de todo o plano terapêutico, consentimento informado e contato com o médico assistente são fundamentais para a segurança jurídica do cirurgião-dentista. É altamente recomendável trabalhar em ambiente com suporte de emergência e, sempre que possível, em parceria com hospitais ou centros de referência em hematologia.

Conclusão

A realização de procedimentos de cirurgia oral em pacientes com distúrbios hemorrágicos exige preparo clínico, conhecimento atualizado e uma abordagem multiprofissional. O uso de protocolos bem definidos, baseados em evidências científicas, aumenta significativamente a segurança e o sucesso terapêutico, promovendo um cuidado mais humanizado e eficaz.

 

Referências Bibliográficas
  1. American Dental Association (ADA). Management of dental patients taking anticoagulants or antiplatelet drugs. J Am Dent Assoc. 2019.
  2.  Bajkin, B. V., et al. (2015). Dental extractions and risk of bleeding in patients taking new oral anticoagulants—DOACs. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol, 119(4), 436–441.
  3. Franchini, M., & Mannucci, P. M. (2012). Hemophilia A in the third millennium. BloodRev, 26(4), 179–184.
  4. Soucie, J. M., et al. (2013). Occurrence of hemophilia in the United States. Am JHematol, 88(9), 768–773.
  5. Brewer, A. K., & Kessler, C. M. (2020). Dental care for patients with inherited bleeding disorders. In: Haemophilia. Wiley-Blackwell

 

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